Radiohead no Brasil


Radiohead honra o mito em São Paulo
[Por Marcelo Costa para o site Scream & Yell]

“Adivinha o que nós vamos tocar?”, diz Thom Yorke rindo com jeito de menino que está prestes a fazer uma traquinagem. O segundo show brasileiro da In Rainbows Tour caminha para 2h20 de duração e a banda está voltando animadíssima para o terceiro bis (!!!). Ele está de camiseta preta e é igualzinho às fotos que marcaram o imaginário popular durante os últimos 15 anos, um misto de nerd e gênio cujo dom maior (talvez mais do que compor) é ter uma voz tão lírica que poderia fazer um comediante chorar copiosamente no meio de uma piada. Até este momento, o show já tinha conquistado os corações das 30 mil pessoas. (...)

As 22h em ponto soltaram a base minimalista que antecipa a entrada do Radiohead no palco. Começaram com “15 Step” (como em mais de metade das 50 apresentações anteriores desta turnê) e emendaram logo com a batida tribal da matadora “There There” em versão chapante. Como previsto anteriormente aqui, a primeira parte do show variou músicas de “Ok Computer” (”Karma Police”), “Kid A” (”Optimistic” e a estupenda “National Anthem” com Jonny Greenwood sintonizando rádios paulistas na introdução), “Amnesiac” (”Pyramid Song”), “Hail To The Thief” (”The Gloaming”), b-sides (a excelente Talk Show Host”) e “In Rainbows” (”Nude”, “All I Need”, “Weird Fishes/Arpeggi”, “Faust Arp”).

Em comparação com os shows de Leuven e Berlim, a apresentação de São Paulo pulava à frente a da cidade belga e igualava-se em emoção ao show da capital alemã, que levou milhares de pessoas às lágrimas na dobradinha “No Surprises”/”My Iron Lung”. Porém, a capital paulista começou a tomar a dianteira com uma versão arrasadora de “Jigsaw Falling Into Place”, passou brilhando por “Idioteque” (costumamente um dos pontos altos do show) e caiu no colo da dobradinha “Climbing Up The Walls”/”Exit Music (For A Film)”, dois hinos secundários de “Ok Computer” cuja junção lírica fez encher os olhos. “Bodysnatchers”, a porrada de “In Rainbows”, fechou o show de forma digna.



A banda retornou para o (primeiro) bis com a baladaça “Videotape”, então os céus se abriram para “Paranoid Android”, um dos pontos altos de toda carreira do Radiohead. Ao final da canção, porém, o inusitado aconteceu. O público continuou fazendo a segunda voz (que na música é de Ed O’Brien) mesmo com a canção terminada, e Thom Yorke entrou no clima: pegou o violão e voltou a fazer a primeira voz entrelaçando-se com a platéia num daqueles momentos raros que valem uma vida. Emendou “Fake Plastic Trees” e todas as dúvidas se dissiparam antes mesmo do fim do primeiro bis: São Paulo estava assistindo à provável melhor apresentação do Radiohead nos últimos anos.

O primeiro bis seguiu-se emocional com “Lucky” e “Reckoner”, momento em que a banda deixou o palco para desespero da turma do gargarejo, que sozinha gritou por todo o público, meio que esperando o inevitável, que veio na forma de um segundo bis. “House of Cards” abriu o segundo encore seguida por “You and Whose Army” (em grande versão) e “Everything In Its Right Place” em versão electro (precedida por uma citação de “True Love Waits”). Acabou. Acabou? Não. É neste momento que a banda retorna para o terceiro bis e Thom, brincalhão, provoca a platéia. “Adivinha o que nós vamos tocar?”, ele diz ao microfone. Segundos depois, “Creep”. E ponto final. Uma apresentação digna da grandiosidade do mito.

Do ponto de vista de produção, o Just a Fest foi um dos eventos mais vergonhosos realizados em São Paulo nos últimos anos. Os relatos sobre problemas da organização da Plan Music foram postados aqui por diversos leitores, e quase estragaram a festa de milhares de fãs. Felizmente, do outro lado da moeda, o Radiohead cumpriu o esperado com uma apresentação arrebatadora. É preciso estar ciente, porém, que um bom show não salva um evento. Muita gente diz que passaria a mesma coisa para ver o Radiohead, o que mostra o quanto o público brasileiro é despreparado no quesito “direitos”: ele está pagando, mas mesmo assim aceita ser insultado. Não deve, e o Ministério Público pode ser acionado (como alguns fizeram) em caso de abuso por parte do realizador, pois a lembrança de um show tem que ser da arte feita no palco, e não da desorganização de um bando de incompetentes. Que o show do Radiohead fique na memória. O resto…


Fotos: Marcos Hermes / Divulgação

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