Como eles descartaram a indústria fonográfica, quebraram os paradigmas do mercado e se mantiveram isolados no posto de “banda de rock mais importante do mundo”
Nas tardes de domingo, Thom Yorke gosta de levar seus filhos ao Museu de História Natural da Universidade de Oxford (Inglaterra), um edifício majestoso em estilo neogótico nos limites do centro da cidade. Eles caminham em torno do grande átrio, depois de passarem pelo crânio da baleia jubarte, pelo pássaro dodô empalhado atrás do vidro e por medonhas estátuas de alguns dos “Grandes Homens da Ciência”. As estátuas são extremamente reais, a não ser pelos olhos, que, graças a alguma decisão excêntrica do escultor, foram desenhados como esferas inteiramente em branco, conferindo olhares mortificados e aterrorizantes a um Newton pensativo, a um Darwin barbado e estóico e a um Aristóteles excessivamente furioso. Naturalmente, os filhos de Yorke também adoram os esqueletos enormes de dinossauro, que dominam o salão em poses assustadoras. Aproximadamente 150 anos antes deles, um matemático enfermo e gago chamado Charles Dodgson vinha ao museu com Alice Liddell, a filha pequena do reitor de sua faculdade.
Para entretê-la, ele inventava histórias fantásticas sobre o dodô e vários outros animais, as quais acabou publicando, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, como Alice no País das Maravilhas. Yorke, que tem 39 anos – uma filha de 3 e um filho de 6 –, também escreve sobre animais de vez em quando, ainda que não com a intenção de agradar crianças. “Myxomatosis”, do disco Hail to the Thief (2003), do Radiohead, leva o nome de uma doença terrível e fatal que ataca coelhos. Seu verso inicial diz: “The mongrel cat came home holding half a head...” [o bichano voltou para casa trazendo metade de uma cabeça]. Depois, temos “Weird Fishes/Arpeggi”, faixa do recente In Rainbows, na qual Yorke imagina a si mesmo no fundo do oceano, sendo mordido por peixes e vermes. Na língua inglesa, é incomum utilizar “fishes” como plural de “fish” (“peixe”), e sempre que Yorke resmunga as palavras “weird fishes”, a escolha gramatical questionável o faz soar como um garoto demente da escola.
A canção segue com uma sonoridade abafada, como se produzida embaixo d’água. O “arpejo” do título é sustentado por uma percussão econômica e insistente, e “our eyes, they turn me” [seus olhos me deixam...], criando uma tensão interessante ao não adicionar nunca o “on” [... excitado] que todos esperam. Com todas as referências à liberdade – “Why should I stay here” [Por que continuar aqui?]; “Everybody leaves if they get a chance” [Todos vão embora, se tiverem a chance] –,a música quase passa por uma paródia mórbida de Bruce Springsteen no começo da carreira, como se os protagonistas de “Thunder Road”, clássico de Springsteen de 1975, tivessem escolhido se libertar da provinciana New Jersey pulando de uma ponte. “Hit the bottom” [chegue até o fundo], Yorke canta no final, “and escape” [e fuja].
A alguns quarteirões do museu de história natural, Yorke chega para a entrevista no Old Parsonage, um prédio secular – Oscar Wilde morou aqui quando estudante – transformado em um hotel de decoração exótica. Seu rosto está enrugado e com a barba por fazer, e embora ele sem dúvida aparente a idade que tem, talvez até mais velho, também é o membro do Radiohead com mais jeito de menino – pequeno, inquieto e, nesta manhã, vestindo calça jeans, um agasalho cinza com capuz e carregando uma mochila com as alças esticadas sobre os dois ombros. (Uma hora depois, o guitarrista Ed O’Brien aparece e senta-se ao lado de Yorke. Como num estudo de contrastes, ambos são exemplos ideais para ensinar a crianças em idade escolar a diferença entre um garoto bem comportado e um malcomportado: de um lado, Yorke, desengonçado, cabelo espetado e desarrumado, abaixando a cabeça ou limpando o nariz com a manga da blusa de vez em quando; do outro, O’Brien, 1,95 m de altura – quase 30 cm maior que o parceiro –, postura ereta e perfeita, praticamente sem mexer a cabeça enquanto fala em tonalidades precisas.)
Você lê “O Futuro Segundo o Radiohead” na íntegra na edição 17 da Rolling Stone Brasil
(por Mark Binelli para Rolling Stone Brasil)
RADIOHEAD CD's: BuscaPé • MercadoLivre • Amazon • Insound • 7digital
Nas tardes de domingo, Thom Yorke gosta de levar seus filhos ao Museu de História Natural da Universidade de Oxford (Inglaterra), um edifício majestoso em estilo neogótico nos limites do centro da cidade. Eles caminham em torno do grande átrio, depois de passarem pelo crânio da baleia jubarte, pelo pássaro dodô empalhado atrás do vidro e por medonhas estátuas de alguns dos “Grandes Homens da Ciência”. As estátuas são extremamente reais, a não ser pelos olhos, que, graças a alguma decisão excêntrica do escultor, foram desenhados como esferas inteiramente em branco, conferindo olhares mortificados e aterrorizantes a um Newton pensativo, a um Darwin barbado e estóico e a um Aristóteles excessivamente furioso. Naturalmente, os filhos de Yorke também adoram os esqueletos enormes de dinossauro, que dominam o salão em poses assustadoras. Aproximadamente 150 anos antes deles, um matemático enfermo e gago chamado Charles Dodgson vinha ao museu com Alice Liddell, a filha pequena do reitor de sua faculdade.
Para entretê-la, ele inventava histórias fantásticas sobre o dodô e vários outros animais, as quais acabou publicando, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, como Alice no País das Maravilhas. Yorke, que tem 39 anos – uma filha de 3 e um filho de 6 –, também escreve sobre animais de vez em quando, ainda que não com a intenção de agradar crianças. “Myxomatosis”, do disco Hail to the Thief (2003), do Radiohead, leva o nome de uma doença terrível e fatal que ataca coelhos. Seu verso inicial diz: “The mongrel cat came home holding half a head...” [o bichano voltou para casa trazendo metade de uma cabeça]. Depois, temos “Weird Fishes/Arpeggi”, faixa do recente In Rainbows, na qual Yorke imagina a si mesmo no fundo do oceano, sendo mordido por peixes e vermes. Na língua inglesa, é incomum utilizar “fishes” como plural de “fish” (“peixe”), e sempre que Yorke resmunga as palavras “weird fishes”, a escolha gramatical questionável o faz soar como um garoto demente da escola.
A canção segue com uma sonoridade abafada, como se produzida embaixo d’água. O “arpejo” do título é sustentado por uma percussão econômica e insistente, e “our eyes, they turn me” [seus olhos me deixam...], criando uma tensão interessante ao não adicionar nunca o “on” [... excitado] que todos esperam. Com todas as referências à liberdade – “Why should I stay here” [Por que continuar aqui?]; “Everybody leaves if they get a chance” [Todos vão embora, se tiverem a chance] –,a música quase passa por uma paródia mórbida de Bruce Springsteen no começo da carreira, como se os protagonistas de “Thunder Road”, clássico de Springsteen de 1975, tivessem escolhido se libertar da provinciana New Jersey pulando de uma ponte. “Hit the bottom” [chegue até o fundo], Yorke canta no final, “and escape” [e fuja].
A alguns quarteirões do museu de história natural, Yorke chega para a entrevista no Old Parsonage, um prédio secular – Oscar Wilde morou aqui quando estudante – transformado em um hotel de decoração exótica. Seu rosto está enrugado e com a barba por fazer, e embora ele sem dúvida aparente a idade que tem, talvez até mais velho, também é o membro do Radiohead com mais jeito de menino – pequeno, inquieto e, nesta manhã, vestindo calça jeans, um agasalho cinza com capuz e carregando uma mochila com as alças esticadas sobre os dois ombros. (Uma hora depois, o guitarrista Ed O’Brien aparece e senta-se ao lado de Yorke. Como num estudo de contrastes, ambos são exemplos ideais para ensinar a crianças em idade escolar a diferença entre um garoto bem comportado e um malcomportado: de um lado, Yorke, desengonçado, cabelo espetado e desarrumado, abaixando a cabeça ou limpando o nariz com a manga da blusa de vez em quando; do outro, O’Brien, 1,95 m de altura – quase 30 cm maior que o parceiro –, postura ereta e perfeita, praticamente sem mexer a cabeça enquanto fala em tonalidades precisas.)
Você lê “O Futuro Segundo o Radiohead” na íntegra na edição 17 da Rolling Stone Brasil
(por Mark Binelli para Rolling Stone Brasil)
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